ESPERMOGRAMA

O espermograma é um conjunto de exames que são básicos para a avaliação inicial da esterilidade conjugal. É útil também para controle pós-vasectomia, avaliação de varicocele e controle de tratamentos. Permite avaliar o funcionamento da próstata, vesículas seminais e testículos, e também fornece evidências indiretas da ação da testosterona, FSH e LH. Por vezes, sugere a necessidade de realizar outros exames complementares correlatos, como teste de penetração (eventualmente em mucus cervical da esposa ou doadora), dosagem de frutose e ácido cítrico, morfologia estrita (Krüger), culturas (inclusive as específicas para Mycoplasmídeos e Neisserias), pesquisa de anticorpos antiespermatozóides, testes de capacitação espermática, avaliação genética e outros.

Fase pré-analítica — Toda a equipe do laboratório precisa manter postura profissional para controlar os preconceitos e a ansiedade, geralmente verbalizados sob a forma de gracejos. É indispensável que o paciente fique no mínimo três dias e no máximo sete dias sem ejacular, ainda que espontaneamente. A abstinência sexual insuficiente reduz a quantidade de espermatozóides e aumenta a porcentagem de formas jovens. Se for excessiva, aumenta a quantidade de espermatozóides, mas também a porcentagem de formas anormais e mortas. Deve ser recomendado ao paciente lavar as mãos, o pênis e urinar antes da coleta, não usar lubrificantes ou saliva e tomar muito cuidado em colher todo ejaculado, sem nada perder. É preciso fornecer frasco descartável de boca larga, comprovadamente sem resíduos nocivos ao sêmen, e rotulado com o nome do paciente. Usualmente, a amostra é colhida por masturbação feita no laboratório. Para tal, é indispensável oferecer banheiro tranqüilo (ou sala com água corrente, permitindo a higiene prévia) e que possa ser ocupado por tempo indeterminado. O paciente deve ser avisado que ninguém virá bater à porta. É desejável estarem discretamente visíveis duas revistas "masculinas" e campainha para chamar algum funcionário — de preferência, homem, para evitar constrangimentos — que receberá a amostra logo após a ejaculação, ou mesmo tranqüilizá-lo em caso de insucesso. Por ser mais natural, o ideal é colher o sêmen por coito normal. Para tal, é indispensável um preservativo especial, que não altera o sêmen, mas que ainda não está disponível em nosso meio, e um local muito próximo ao laboratório. Como última opção, pois impede avaliar o processo de coagulação/liquefação secundária, o paciente poderá masturbar-se muito próximo ao laboratório. Nesta situação, é preciso alertá-lo para não usar preservativo comum ou praticar coito interrompido ou coito oral, que invalidariam a amostra.

Consentimento informado — É indispensável informar previamente ao paciente que o termo "completo", muitas vezes utilizado, refere-se ao descrito na lista de procedimentos da Associação Médica Brasileira (AMB) — portanto, não inclui bacteriologia, bioquímica, imunologia etc. — e que as ejaculações diferem bastante, dificultando a comparação de resultados. Também é conveniente explicar os procedimentos de sigilo adotados, que a amostra será usada apenas para os exames solicitados e jamais aproveitada em banco de sêmen. Informar também que o exame não serve como prova judicial, por não haver testemunhas de que a amostra efetivamente provém do paciente e não recebeu adições.

Biossegurança — É indispensável adotar padrões de biossegurança porque o material poderá conter grande quantidade de vírus, inclusive das hepatites e de AIDS, ou de bactérias patógenas.

Fase analítica — É indispensável anotar no mapa de trabalho as informações logo que forem obtidas. Sabendo-se o momento exato da ejaculação, é possível cronometrar a coagulação e liquefação secundárias, importantes para avaliar a eficácia dos fatores próstato-vesiculares.
Meia hora após a ejaculação, já deverá ter ocorrido a liquefação secundária, permitindo o prosseguimento do exame. Se não ocorreu, é preciso adicionar duas a três gotas de solução mucolítica estéril. É o momento de observar o aspecto, inclusive cor, sentir o odor e medir o pH, usando papel indicador de faixa estreita. A seguir, é indispensável homogeneizar muito bem a amostra. Esta é a principal causa de erro.
Com uma pipeta graduada operada por pêra de borracha — jamais use a boca, por questão de segurança — mede-se o volume e, ao escoar, avalia-se a viscosidade. Esta mesma pipeta ajuda no preparo de lâminas, para avaliação morfológica e eventualmente bacterioscopia, e no enchimento da câmara de contagem. Esta, além de permitir a contagem de espermatozóides e leucócitos, também quantifica sua motilidade.
Uma gota do sêmen é misturada com 1 gota de eosina/nigrosina. Parte desta mistura é colocada em lâmina, feito esfregaço e deixado secar à temperatura ambiente, como se fosse hemograma. Ao exame microscópico, os espermatozóides que estavam mortos mostram-se negros. Os que estavam vivos ficam amarelo/avermelhados pois nestes a parede celular impediu a entrada da nigrosina. É o momento de iniciar outros procedimentos eventualmente solicitados, como bacteriologia, bioquímica, imunologia. Se for o caso, é a ocasião de iniciar a análise computadorizada do sêmen. Existem excelentes sistemas (máquinas e programas) para esse procedimento Esta opção deve ser considerada pela precisão e exatidão, além de fornecer dados não avaliáveis pelos métodos de bancada. A motilidade dos espermatozóides precisa ser reavaliada após 1, 2, 6, 12 e 24 horas da ejaculação.

Valores de referência — Normalmente, o esperma sai líquido, coagulando-se quase imediatamente, em menos de 15 minutos. Passados mais 5 a 15 minutos, volta a liqüefazer-se (liquefação secundária).Este processo de coagulação/liquefação secundária, impossível de ser acompanhado em amostras enviadas, é um excelente indicador dos fatores próstato-vesiculares, dos quais depende. Sugere fraude se estiver inexplicavelmente ausente em amostras colhidas no laboratório. O odor típico, bem pronunciado, decorre de substâncias produzidas pela próstata. Sua ausência sugere prostatite ou outra afecção prostática. Normalmente, o sêmen é cinza opalescente. Quando amarelado, deve-se pensar em processos infecciosos; e quando vermelho, em sangramento, geralmente provocado por ruptura de vaso sangüíneo, comum em traumatismos genitais e em câncer de próstata. O volume ejaculado deve estar entre 2,0 e 5,0 mL. Baixos volumes sugerem menos que três dias de abstinência sexual ou deficiência de vesículas seminais, e por motivos mecânicos reduzem a fertilidade. Altos volumes sugerem excessiva abstinência sexual — especialmente se também houver necrospermia, isto é, aumento de formas mortas — e, por diluir o sêmen, também afetam a fertilidade. A viscosidade é avaliada pelo gotejamento ao esgotamento espontâneo da pipeta utilizada para medir o volume. Quando excessiva, reduz a motilidade dos espermatozóides e, em conseqüência, a fertilidade. Normalmente, o sêmen tem pH entre 7,2 e 8,0. Processos infecciosos costumam acidificá-lo, reduzindo o pH. A morfologia dos espermatozóides é avaliada pelo exame microscópico de lâmina corada pelo Papanicolau, ou mesmo por algum corante hematológico. Varicocele, importante causa de infertilidade, aumenta a quantidade de formas afiladas (normal até 12%), reduzindo a fertilidade. Krüger demonstrou que para a fecundação só importam as formas rigorosamente perfeitas, que não são avaliadas no espermograma tradicional. A fertilidade cai drasticamente se for menor que 14%.

Fase pós-analítica — Por haver grande variação entre ejaculações, geralmente é desejável que qualquer análise de sêmen, principalmente quando não está inteiramente normal, seja repetida no máximo três meses após, e, havendo grandes diferenças, seja colhida outra amostra. Como qualquer exame complementar, esse também só pode ser interpretado por profissionais habilitados e que disponham dos dados médicos do paciente, para permitir a indispensável correlação clínica.

Dr. Paulo Linhares — Médico patologista clínico