EDUCAÇÃO AMBIENTAL... PARA QUÊ?

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Nosso primeiro texto foi sobre a questão da dualidade ser x estar consciente acerca das questões ambientais. Fizemos uma reflexão envolvendo o papel que cada um de nós pode desempenhar no meio am-biente, em suas múltiplas formas. Nossa reflexão, hoje, será direcionada a uma área bastante difundida na mídia e nas conversas sobre ecologia e meio ambiente: a educação ambiental.
Falar de educação ambiental, entender seus pressupostos e inseri-la em contexto real, entretanto, requerem uma viagem no tempo. Vamos partir da data inicial de 1500 e dar uns pulos históricos na "linha do tempo", abordando acontecimentos no Brasil e no mundo, até a década de 70 do século XX:
· 1500 - prenuncia-se a devastação através da exploração predatória, que segue seu curso até os dias de hoje
· 1503 - comercialização do pau-brasil (Caesalpinia echinata) por Fernando de Noronha. Início do desmatamento intensivo na Mata Atlântica (dos 200 mil quilômetros originais, restam apenas 10 mil [5%])
· 1542 - surge a primeira "Carta Régia" do Brasil, com normas disciplinares para o corte de madeira
· 1850 - D. Pedro II edita a Lei 601, que proibia a exploração florestal, porém tal lei foi ignorada
· 1854 - envio da famosa "Carta do chefe indígena Seattle" ao governo americano
· 1872 - é criado, na Califórnia (EUA), o primeiro parque do mundo, o Parque Nacional Yellowstone
· 1875 - encerra-se o ciclo econômico do pau-brasil com o abandono das matas totalmente exauridas
· 1876 - André Rebouças sugere a criação de parques nacionais na Ilha de Bananal e em Sete Quedas
· 1889 - Patrik Geddes, escocês, é considerado um dos fundadores do conceito de Educação Ambiental
· 1896 - criado o primeiro parque no Brasil, o Parque Estadual da Cidade de São Paulo
· 1920 - o pau-brasil é considerado extinto
· 1934 - o professor Felix Rawitscher, alemão, inicia os primeiros trabalhos de pesquisa e ensino de Ecolo-gia no Brasil. No mesmo ano, cria-se a primeira unidade de conservação brasileira, o Parque Nacional do Itatiaia (RJ)
· 1939 - cria-se o Parque Nacional do Iguaçu, em decreto 1035/39
· 1947 - funda-se, na Suíça, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUNC)
· 1952 - acidente de poluição do ar mata mais de 1600 pessoas em Londres
· 1956 - parlamento inglês aprova a Lei do Ar Puro devido ao ar densamente poluído (smog)
· 1958 - cria-se a Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN)
· 1960 - surge, nos EUA, a corrente conhecida como "ambientalismo"
· 1961 - Presidente Jânio Quadros aprova o projeto que declara o pau-brasil "árvore símbolo nacional" e o ipê "flor símbolo nacional"
· 1965 - Albert Schweitzer recebe o prêmio Nobel da Paz por tornar popular o conceito de "ética ambiental"
· 1970 em diante - inicia-se, no Brasil, o Projeto "Grande Carajás", com a construção de 900 km de ferrovia, de Pará ao Maranhão; publica-se, nos EUA, um manual para professores e alunos, "A place to live" ("Um lu-gar para viver"), que se tornou um clássico em educação ambiental; a expressão "environmental educati-on" (educação ambiental) começa a tornar-se popular em todas as instâncias acadêmicas
Esta "revisão histórica" é bastante acanhada, porém fornece-nos informações interessantes acerca de como o meio ambiente vem sendo visto pelo homem, nas diferentes épocas cronológicas pós-achamento do Brasil(1). A data inicial de 1500 é meramente arbitrária. Se partirmos do princípio de que, desde o primeiro momento em que os seres humanos começaram a interagir com o mundo que o cercava e a ensinarem seus filhos a fazerem o mesmo, estava havendo educação (e, por conseguinte, também educação ambiental), criar datas precisas na "linha do tempo" torna-se algo irreal. Os povos antigos, por exemplo - e, talvez, os povos nativos de forma mais clara - desenvolveram formas sofisticadas de perceber os sistemas naturais que estavam ao seu redor(2). Havia um profundo respeito por tais sistemas, e esse conhecimento era transmitido para as gerações seguintes através da oralidade. A relação com o meio ambiente era, até certo ponto, uma relação visceral, de sobrevivência. Da terra e de seus seres o homem obtinha seu sustento. A natureza era algo que o sobrepujava, era algo externo a ele, era menos afetada por ele. Com o passar do tempo, porém, houve mudanças nas razões e nos modos de se transmitirem tais conceitos. A "mãe Terra" passou a ser vista como algo afetado - e, de maneira geral, de forma desastrosa - pela sociedade humana. A sociedade tornou-se a agressora (e vítima!) do ambiente. Desta nova relação desarmônica surgiu a necessidade de se proteger a natureza e tentar corrigir os erros que se cometeram a nível ecológico. Vejamos: mais de 1600 pessoas mor-reram em Londres em 1952 devido a um acidente envolvendo poluição atmosférica. Quatro anos mais tarde, o parlamento inglês sanciona a lei referente ao Ar Puro, justamente por causa do fenômeno do smog, conhe-cido em várias outras cidades do mundo.
É curioso notar dois fatos em nossa história: em 1542 surgiu a primeira "Carta Régia" brasileira, com normas disciplinares acerca do corte de madeira, e, trezentos anos mais tarde, nosso imperador D. Pedro II tenta sancionar uma lei que proibia a exploração florestal (tal lei, porém, foi ignorada). Como conseqüência do corte não-planejado e meramente exploratório, o ciclo do pau-brasil encerra-se em 1870 e a espécie, que leva o nome do próprio país, é considerada extinta em 1920. Quantas outras espécies já tiveram tal fim e aguar-dam destino tão sombrio? Milhares, talvez milhões(3).
Para quê, então, educação ambiental? Se partirmos do princípio de que a educação é, lato sensu, uma forma de resolver problemas de forma permanente e com o intuito de encontrar sempre soluções melho-res para os problemas, podemos definir, grosso modo, a educação ambiental como sendo, fundamentalmen-te, uma educação para a resolução de problemas. Esta educação parte, de modo geral, de bases filosóficas do holismo, da sustentabilidade e do aprimoramento(4). A questão que norteia a discussão é: estamos em um mundo invariavelmente caótico, de crescimento populacional acelerado, esgotamento dos recursos naturais, falta de trabalho e perspectivas decentes de vida para bilhões de pessoas. Tornar-se agente de mudanças no próprio ambiente parece ser a única solução viável para a humanidade que iniciou o Novo Milênio com crises tão ameaçadoras quanto as da falta de água, do colapso energético e das guerras envolvendo organismos microscópicos.
Como podemos definir a meta geral da educação ambiental? Uma das respostas pode ser encontrada na conhecida "Carta de Belgrado", de 1975, que foi escrita por vinte especialistas em educação ambiental, oriundos de várias partes do mundo. Neste documento, a meta geral da educação ambiental é desenvolver um cidadão consciente do ambiente total, preocupado com os problemas associados a esse ambiente e que tenha o conhecimento, as atitudes, motivações, envolvimento e habilidades para trabalhar individual e coletivamente em busca de soluções para resolver os problemas atuais e prevenir os futuros(5). Nesta mesma visão, podemos dizer que "(...) os riscos que se apresentam à humanidade, criados pela civilização, restituem para o homem a aventura de retomar seu destino e controlá-lo. O que antes ele fazia temendo aos deuses, aos quais já não teme, com medo das pragas, que já controla, submetido ao desconhe-cido, que já conhece, agora o homem terá que fazer diante dos riscos que criou. Terá que enfrentar um deus maluco chamado homem, uma praga que ele criou chamada poder científico e tecnológico e tentar desvendar um desconhecido chamado ele mesmo, seu sistema econômico, sua relação com a natureza, a essência de seu projeto civilizatório. E dominá-lo"(6).
A educação ambiental, portanto, enquanto ferramenta contínua e básica de mudança de consciência, deve ser vista como um processo transcultural e transgeracional para a busca de soluções aos problemas do mundo atual.

NOTAS:
(1) A tendência dos historiadores atuais é referir-se à chegada de Pedro Álvares Cabral como sendo o "achamento" do Brasil, e não seu descobrimento, uma vez que já havia outros povos em terras brasílicas muito antes dos portugueses firmarem sua colonização (i.e., as etnias autóctones indígenas).
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(2) Cf. Secretaria do Meio Ambiente, Conceitos para se fazer educação ambiental. São Paulo, Editora da Secretaria de Meio Ambiente, 1997 (Série Educação Ambiental), p. 19.
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(3) A questão da extinção de espécies é palco para discussões polêmicas entre os acadêmicos. O pau-brasil, embora tenha sido considerado extinto local e ecologicamente, pois já não é encontrado espontaneamente nas matas nativas, ainda sobrevive em indivíduos plantados em hortos florestais, orquidários e outros locais, no Brasil e em outros países.
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(4) Secretaria do Meio Ambiente, op. cit., p. 17.
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(5) Idem, p. 22.
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(6) Tauk, S. M., org. Análise ambiental - uma visão multidisciplinar. São Paulo, Editora Unesp/Fapesp, 1991, p. 150. Para quem quiser ler mais sobre meio ambiente e educação ambiental, sugere-se a leitura de: Coordenadoria de Educação Ambiental da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São Paulo. Guia didático sobre o lixo no mar. São Paulo, SMA, 1997; e Secretaria de Estado do Meio Ambiente. Educação, meio ambiente e cidadania - reflexões e experiências. São Paulo, SMA/CEAM, 1998.
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