CASCINO, Fábio, JACOBI, Pedro & OLIVEIRA, José Flávio de (org.). Educação, Meio Ambiente e Cidadania: Reflexões e Experiências. São Paulo, SMA/CEAM, 1998.

 

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CIDADANIA

Pedro Jacobi

A questão ambiental está cada vez mais presente no cotidiano da população das nossas cidades, principalmente no que se refere ao desafio da preservação da qualidade de vida.

Entretanto, a dinâmica de urbanização predatória tem provocado um aumento dos problemas ambientais nas nossas cidades. Embora todos sejam afetados pelos problemas, os setores mais carentes da população sofrem mais.

Isto ocorre porque, no contexto urbano metropolitano brasileiro, os problemas ambientais têm-se avolumado a passos agigantados e sua lenta resolução acarreta sérios impactos sobre a população. Os problemas não são novos. Destacam-se a contaminação das fontes de água, o aumento desmesurado das enchentes, a exiguidade da rede de esgotos, as dificuldades na gestão dos resíduos sólidos e a interferência crescente no despejo inadequado de lixo em áreas potencialmente degradáveis em termos ambientais, e, naturalmente, os problemas da poluição do ar.

Como enfrentar todos estes problemas? A possibilidade de maior acesso à informação potencializa mudanças comportamentais necessárias para um agir mais orientado na direção da defesa do interesse geral.

Nestes tempos em que a informação assume um papel cada vez mais relevante, com o ciberespaço, a multimídia e a Internet, a educação para a cidadania representa a possibilidade de motivar e sensibilizar as pessoas para que transformem as diversas formas de participação em defesa da qualidade de vida.

Assim, a problemática ambiental urbana constitui um tema muito propício para aprofundar a reflexão e a prática em torno do restrito impacto das práticas de resistência e de expressão e das demandas da população das áreas mais afetadas pelos constantes e crescentes agravos ambientais. Mas representa, também, a possibilidade de abertura de estimulantes espaços para implementar alternativas diversificadas de democracia participativa, notadamente a garantia do acesso à informação e a consolidação de canais abertos para uma participação plural.

Os impactos negativos do conjunto de problemas ambientais resultam principalmente da precariedade dos serviços e da omissão do poder público na prevenção das condições de vida da população, porém, é também reflexo do descuido e da omissão dos próprios moradores, inclusive nos bairros mais carentes de infra-estrutura, colocando em xeque aspectos de interesse coletivo.

Isto traz à tona a contraposição do significado dos problemas ambientais urbanos e das práticas de resistência dos que "têm" e dos que "não têm", interferindo significativamente na qualidade da cidade como um todo.

A postura de dependência e de desresponsabilização da população decorre principalmente da desinformação, da falta de consciência ambiental e de um déficit de práticas comunitárias baseadas na participação e no envolvimento dos cidadãos, que proponham uma nova cultura de direitos baseada na motivação e na co-participação da gestão ambiental das cidades.

Nesse sentido, a educação ambiental (EA) representa um instrumento essencial para superar os atuais impasses da nossa sociedade.

A relação entre meio ambiente e educação para a cidadania assume um papel cada vez mais desafiador, demandando a emergência de novos saberes para apreender processos sociais que se complexificam e riscos ambientais que se intensificam.

As políticas ambientais e os programas educativos relacionados à conscientização da crise ambiental demandam crescentemente novos enfoques, integradores de uma realidade contraditória e geradora de desigualdades, que transcendem a mera aplicação dos conhecimentos científicos e tecnológicos disponíveis.

O desafio que se coloca é o de formular uma EA que seja crítica e inovadora em dois níveis — formal e não formal. Assim, a EA deve ser, acima de tudo, um ato político voltado para a transformação social. O seu enfoque deve buscar uma perspectiva de ação holística que relacione o homem, a natureza e o universo, tomando como referência o fato de que os recursos naturais se esgotam e que o principal responsável pela sua degradação é o homem.

Quando nos referimos à EA, situamo-la num contexto mais amplo, o da educação para a cidadania, configurando-se como elemento determinante para a consolidação de sujeitos cidadãos. O desafio do fortalecimento da cidadania para a população como um todo, e não para um grupo restrito, concretiza-se a partir da possibilidade de cada pessoa ser portadora de direitos e deveres, e por conta disso converter-se em ator co-responsável na defesa da qualidade de vida.

O principal eixo de atuação da EA deve buscar, acima de tudo, a solidariedade, a igualdade e o respeito à diferença, por meio de formas democrática de atuação, baseadas em práticas interativas e dialógicas. Isto se consubstancia no objetivo de criar novas atitudes e comportamentos, face ao consumo na nossa sociedade, e de estimular a mudança de valores individuais e coletivos.

E como se relaciona a EA com a cidadania? Cidadania tem a ver com o pertencimento e identidade numa coletividade. A EA, como formação de cidadania e como exercício de cidadania, tem a ver com uma nova forma de encarar a relação do homem com a natureza, baseada numa nova ética, que pressupõe outros valores morais e uma forma diferente de ver o mundo e os homens.

A EA deve ser vista como um processo de permanente aprendizagem, que valoriza as diversas formas de conhecimento e forma cidadãos com consciência local e planetária.

E o que tem sido feito em termos de EA? A grande maioria das atividades são feitas dentro de uma modalidade formal. Os temas predominantes são o lixo, proteção do verde, uso e degradação dos mananciais, ações para conscientizar a população em relação à poluição do ar.

A EA que tem sido desenvolvida no país é muito diversa e a presença dos órgãos governamentais como articulador, coordenador e promotor de ações é ainda muito restrita.

A Operação Rodízio, que foi implantada pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente desde 1995 em São Paulo, e que tem mexido com a vida de milhões de pessoas, com o objetivo de enfrentar os problemas da poluição do ar, pode ser caracterizada como uma ação de EA em escala ampliada, onde o poder público assume um papel indutor do processo. Neste caso, implantou-se um sistema de redução do uso do automóvel, obrigando os proprietários a deixar o carro um dia por semana em casa. Esta iniciativa estimula a co-responsabilidade social na preservação do meio ambiente e pode ser vista como um programa de EA em escala ampliada, na medida em que chama a atenção das pessoas e informa-as sobre os perigos gerados pela poluição do ar.

Esta experiência chama a atenção para a necessidade de romper com o estereótipo de que as responsabilidades urbanas são unicamente dos governos e que os habitantes devem ser tutelados e manter-se passivos.

O grande salto de qualidade tem sido dado pelas ONGs e organizações comunitárias ao desenvolverem ações não-formais dirigidas principalmente à população infantil e juvenil.

A lista de ações é interminável, e estas referências são indicativas de práticas inovadoras centradas na preocupação de incrementar a co-responsabilidade das pessoas, em todas as faixas etárias e grupos sociais, quanto à importância de formar cidadãos cada vez mais comprometidos com a defesa da vida.

A educação para a cidadania representa a possibilidade de motivar e sensibilizar as pessoas para transformarem as diversas formas de participação, em potenciais caminhos de dinamização da sociedade e de concretização de uma proposta de sociabilidade baseada na educação para a participação.

O complexo processo de construção da cidadania no Brasil, num contexto de agudização das desigualdades, é perpassado por um conjunto de questões que necessariamente implicam na superação das bases constitutivas das formas de dominação e de uma cultura política baseada na tutela.

O desafio da construção de uma cidadania ativa se configura como elemento determinante para a constituição e fortalecimento de sujeitos cidadãos que, portadores de direitos e deveres, assumam a importância da abertura de novos espaços de participação.

Torna-se, portanto, cada vez mais necessário consolidar novos paradigmas educativos, centrados na preocupação de iluminar a realidade a partir de outros ângulos, e isto supõe a formulação de novos objetos de referência conceituais e, principalmente, a transformação de atitudes.

Um dos grandes desafios é o de ampliar a dinâmica interativa entre a população e o poder público, na medida em que isto pode potencializar uma crescente e necessária articulação com os governos locais, notadamente no que se refere ao desenvolvimento de práticas preventivas no plano ambiental.