Movida com a força dos ventos

Líder mundial em usinas eólicas instala-se em Sorocaba e aposta na diversificação de fontes energéticas no Brasil

André Marcel de Lima

Energia eólica é ilustre desconhecida no Brasil. Poucos sabem que é possível converter ventos em energia elétrica, porque no País tropical banhado por 8,5 mil quilômetros de costas litorâneas predomina a idéia de que eletricidade se faz apenas com hidrelétricas. Mas não é por isso que a Enercon, líder mundial em equipamentos para usinas eólicas, deixou de enxergar o mercado brasileiro como manancial de negócios. Principalmente diante de cenários como o atual, em que a expansão da produção está ameaçada com o racionamento de energia devido à pouca chuva neste 2001. Se por um lado a falta de tradição brasileira no uso da fonte eólica poderia transformar em insanidade a aposta no País, por outro a necessidade de gerar energia para acompanhar o crescimento da demanda nacional é interpretada como sinal verde por organizações cuja especialização em energias alternativas gravita em torno das soberanas hidrelétricas. É justamente por subestimar os obstáculos e superestimar as oportunidades que a multinacional Enercon investiu US$ 12 milhões para implantar a subsidiária Wobben Windpower em Sorocaba, a 97 quilômetros de São Paulo.

A Wobben Windpower implantou três usinas eólicas no Brasil desde que foi instalada, em 1995. Duas estão no Ceará e uma no Paraná. É pouco para a capacidade da empresa, que exporta equipamentos para o Primeiro Mundo para manter a produção em níveis satisfatórios, mas representa muito no panorama brasileiro: as três usinas respondem por 17,5 dos 20 megawatts de capacidade instalada no Brasil. Significa que a Wobben Windpower é responsável por 87% de toda energia eólica gerada no País em apenas cinco anos de atividades.

Entre as criações da organização está a maior usina eólica da América do Sul, localizada no Município cearense de Aquiráz, cuja capacidade instalada de 10 megawatts é suficiente para atender ao consumo domiciliar de 100 mil pessoas. No portfólio da subsidiária brasileira da empresa alemã também está a primeira usina eólica do mundo construída sobre dunas, na Praia de Taíba, Município cearense de São Gonçalo do Amarante. A outra usina fica em Palmas, no Paraná, e tem capacidade para iluminar uma cidade com 20 mil habitantes. A quarta usina da Wobben Windpower está em fase de implantação na Patagônia Argentina. "É só o começo das operações no Mercosul" — entusiasma-se Francisco Antonio Aidar, diretor de Planejamento e Desenvolvimento da empresa e que tem 22 anos de experiência na Eletropaulo.

Afirmar que a Wobben Windpower implanta usinas eólicas não transmite o conjunto de atribuições envolvido no trabalho. O serviço começa com a elaboração de projetos baseados na força dos ventos, passa pela produção de pás, aerogeradores e componentes na fábrica instalada na Zona Industrial de Sorocaba, e culmina com a instalação executada sob supervisão de técnicos vindos da Alemanha. Na realidade, a responsabilidade vai além da entrega porque as usinas não foram montadas para terceiros, mas pertencem à própria Wobben Windpower na categoria de produtora independente. A energia gerada pelas usinas eólicas cearenses é vendida para a Coelse (Companhia Energética do Ceará), enquanto a usina de Palmas foi montada em conjunto com a Copel (Companhia Paranaense de Energia). Além dos US$ 12 milhões investidos na fábrica de Sorocaba, a multinacional alemã injetou US$ 18 milhões na montagem das usinas. Foram US$ 15 milhões nas usinas cearenses e US$ 3 milhões na paranaense.

"Investir integralmente e operar as usinas foram a única forma encontrada para desbravar o mercado brasileiro. Na medida em que a energia eólica se tornar mais conhecida e consolidar a credibilidade, a natureza dos contratos vai mudar. O Estado vai perder o receio de investir na aquisição das usinas e vamos nos dedicar mais a projetar, produzir e montar do que em operar" — considera Francisco Aidar. Para acelerar a esperada mudança de hábito, a Wobben Windpower criou contrato que garante disponibilidade mínima de 97%, que resulta na geração de energia de acordo com montante previamente acertado com o cliente. Além disso, a mesma tecnologia utilizada pela Wobben Wind-power para acompanhar o desempenho de suas usinas pode ser colocada à disposição de terceiros que venham a investir na fonte alternativa: a Wobben monitora por computador, de Sorocaba, a performance dos equipamentos instalados no Ceará e no Paraná.

Francisco Aidar explica que a fonte eólica não é indicada para todas as regiões brasileiras. Antes de instalar os equipamentos é necessário medir a força dos ventos para verificar se o potencial de geração de energia é suficiente para cobrir os investimentos. É para isso que a empresa mantém torres de medição com 50 metros de altura de Norte a Sul do País. Apesar das limitações geofísicas, o potencial de geração de energia eólica é muito maior do que a capacidade instalada de 20 megawatts. O potencial estimado de 12 gigawatts — ou 12 mil megawatts — está concentrado na costa do Nordeste e do Rio Grande do Sul e em algumas regiões não litorâneas do Paraná e de Santa Catarina. "O que é explorado hoje corresponde a apenas uma gota num oceano de oportunidades" — diz. Ele conta que a matriz Enercon responde por 2,05 dos 15 gigawatts eólicos instalados no mundo. Cerca de 70% das usinas implantadas pela Enercon estão na própria Alemanha e o restante pulverizado entre mais de 20 países.

Ecologicamente correto — A grande vantagem da energia dos ventos está na ausência de impactos ambientais. As usinas eólicas utilizam insumo abundante e que não tem outra finalidade além de refrescar no calor. Diferentemente das hidrelétricas, que dependem da valiosa água. Além disso, ventos não geram subprodutos nocivos à natureza. O único senão é que usinas eólicas operam sempre como complemento às fontes energéticas tradicionais, cujo suprimento não pode depender da oscilação dos ventos. "Uma vantagem especialmente importante para regiões turísticas é que as usinas eólicas não interferem no ambiente. Onde tem pasto continua pasto, onde há dunas continuam as dunas" — relata Francisco Aidar. Como se sabe, hidrelétricas exigem mudanças de cursos de rios, inundação de áreas e desmatamentos. Além disso, o custo de implantação de usinas eólicas é praticamente o mesmo das hidrelétricas: oscila entre US$ 900 mil a US$ 1,1 milhão por megawatt instalado. Um megawatt, ou mil quilowatts, é suficiente para o consumo de 10 mil pessoas na costa do Nordeste.

O indício mais representativo de que a Enercon aposta no potencial dos mercados brasileiro e sul-americano foi o investimento de US$ 5 milhões para a produção de aerogeradores em Sorocaba, em meados do ano passado. Antes a Wobben Windpower fabricava apenas pás giratórias e importava da Alemanha os equipamentos responsáveis pela conversão da força dos ventos em eletricidade. Tanto que as três usinas implantadas no Brasil foram montadas com aerogeradores importados. "A usina em implantação na Patagônia Argentina será a primeira com todos os equipamentos produzidos em Sorocaba" — menciona o diretor.

O investimento de US$ 5 milhões para a nacionalização do item de maior complexidade e valor agregado envolveu importação de equipamentos e também despesas com viagens para troca de know-how entre brasileiros da subsidiária Wobben Windpower e alemães da Enercon. O setor de aerogeradores divide em partes iguais com o de pás a área produtiva de 10 mil metros quadrados inserida em terreno de 60 mil metros quadrados. Ao todo são 200 funcionários, dos quais 180 em setores produtivos e 20 administrativos. Apenas as torres que sustentam os aerogeradores e as pás têm produção terceirizada, pela Confab de Pindamonhangaba. As torres têm mais de 40 metros de altura para sustentar as pás giratórias de 20 metros de extensão. O efeito plástico dos equipamentos em funcionamento é de cataventos gigantes, de 40 metros de diâmetro.

Por enquanto, o volume de negócios no Brasil é mais compatível com brisa do que com tufão. Cerca de 80% do faturamento de US$ 10 milhões no ano passado vieram de exportação de pás para a matriz alemã e o restante da energia gerada pelas três usinas. As 900 pás exportadas em 2000 foram ótimo negócio para o grupo alemão, já que os custos de produção no Brasil ficaram menores em razão da desvalorização do real frente ao euro e o dólar. A Wobben Windpower projeta ampliar o faturamento para US$ 15 milhões em 2001, mas a expectativa tem muito pouco a ver com exportações. A empresa espera projetar, produzir e implantar mais usinas eólicas no Brasil e no Mercosul. "Vamos participar de concorrência para duas usinas de 30 megawatts cada no Ceará e aguardamos resposta para várias propostas" — revela Francisco Aidar. "Pretendemos exportar 100 pás a mais que as 900 do ano passado, mas o salto de 50% no faturamento virá com a intensificação de negócios no Brasil" — destaca.